28.8.08

Onze dias depois Anália vai pra Maracangalha

Me lembro, ainda pequeno, de ter pegado um disco de vinil e, atraído pela plástica do encarte, querer escutá-lo. A música que me chama mais atenção: Maracangalha. A letra: simples, de rimas pobres, mas, um samba- pérola da Música Popular Brasileira (MPB).

A letra nos possibilita imaginar o lugar ao qual o eu lírico se destinará, sem impedimento algum. Nem mesmo a companhia de sua amada Anália.

Da composição eis a história, que ouvir contar...

Maracangalha era um lugarejo onde havia uma usina de açúcar, a Cinco Rios, em que Zezinho fazia negócios em 1955, Caymmi estava em casa, na rua Cesário Mota Júnior, em São Paulo, pintando um auto-retrato quando de repente veio-lhe à lembrança a frase de Zezinho.

“Zezinho, grande amigo de Dorival Caymmi, falava muito em Maracangalha. Quando não tinha um bom pretexto para sair de casa, dizia pra mulher: "Eu vou pra Maracangalha”.

"Daí" - conta o compositor - "comecei a cantarolar a música e letra nascendo ao mesmo tempo: ‘Eu vou pra Maracangalha, eu vou / eu vou de liforme (uniforme) branco, eu vou / eu vou de chapéu de palha, eu vou...'; estava bom, eu estava gostando. Então continuei e quando cheguei à parte que diz ‘Eu vou convidar Anália', uma vizinha, dona Cenira, perguntou lá de sua janela para a minha mulher: - ‘Dona Stela, o que é que seu Dorival está cantando aí, tão bonitinho?' E Stela: - ‘Caymmi, dona Cenira quer saber o que é que você está cantando'. Respondi: ‘Estou fazendo uma música que fala de um sujeito, que sai de casa feliz para se divertir. Ele vai pra Maracangalha, vai convidar Anália...' ao que interrompeu a vizinha: ‘E por que o senhor não põe Cenira, em lugar de Anália?' Aí não dava mais pé. – ‘Fica pra outra vez, dona Cenira...', eu lhe disse, me desculpando".

“Assim nasceu "Maracangalha", sem maiores pretensões, de uma só vez, ao contrário de outras composições de Caymmi em que ele passa meses, às vezes anos, burilando, aperfeiçoando. Nasceu e ficou guardada até o ano seguinte, quando o compositor voltou para o Rio e gravou-a na Odeon, com extraordinário sucesso, que se estendeu ao carnaval, para a sua surpresa.”

Stella Maris, pseudônimo adotado por Adelice Tostes Caymmi-mulher de Dorival-, morreu ontem (27.08), aos 86 anos. O casal se conheceu em um programa de calouros da Rádio Nacional, quando ela cantava "Último Desejo" de Noel Rosa. Ele cumpriu a risca a letra e foi só. Mas de saudade ela não aguentou. Juntos eles moram, agora, em Maracangalha!

Caymmi

“Marina/ morena/ Marina você se pintou...”

Etimologicamente a música vem do mousikê, palavra do dicionário grego, que significa arte das musas. Pois bem, em modelo de autenticidade, o verso acima, mundialmente conhecido, demonstra então, a essência da composição.

Para atuar de maneira ímpar e ser um dos maiores expoentes da Bahia e dos baianos, no cenário musical, Deus criou Dorival Caymmi.